sexta-feira, dezembro 09, 2005

Saudade


Convencem-nos que podemos moldar a vida. Para quê?
É tão mais simples se deixarmos que a vida nos molde...
Deixemos a vida correr e ela dir-nos-á quem somos e quem poderemos ser.
Deixemos as vidas correr e elas escolherão os nossos percursos, os nossos futuros, os nossos amigos.
A nossa vida não é só nossa e depende das vidas dos outros.

Sempre tive diários, no medo de esquecer os momentos importantes.
Nunca encontro os momentos importantes escritos.
No momento, quando escrevemos, não podemos saber o que será realmente importante. Os momentos mais importantes são os que têm consequências no futuro.
Só a vida nos pode dizer quais são os momentos importantes.

Não escrevi sobre as ameixas no bolso da Sophy.
Não escrevi sobre quem conheci no autocarro.
Não escrevi sobre as moças que fumavam cachimbo na relva.
Não escrevi sobre o olhar que troquei com Árias numa qualquer noite na tasca on ia sempre ou como o meu coração bateu quando o vi num supermercado, anos mais tarde.

Anos mais tarde, há momentos que se perdem no tempo e há segundos, dados por perdidos, que acabam por determinar toda a vida.
Anos mais tarde, há sonhos que se esquecem, amores que se perdem, alegrias das quais não sentimos falta.
Anos mais tarde, há quezílias que se esquecem, ressentimentos que se perdem, defeitos dos quais sentimos falta.
Anos mais tarde, há vidas que se esquecem, vidas que se perdem e vidas das quais a nossa vida sente falta.

Cada vida tem o dom de peneirar outras vidas.
A saudade é o meio que a nossa vida encontrou de nos dizer quem faz parte de nós, de que vidas a nossa vida precisa, quem nos faz falta.
A saudade é uma lente que embeleza a nossa vida através das vidas dos outros.
Saudade é a nossa vida que diz a outra "gosto de ti".

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