Depois de anos e anos a tentar convencer os meus pais a deixarem-me furar as orelhas (para grande alegria das minhas avós, por sinal) não esqueço um dos argumentos que o meu pai usava para me dissuadir:
- Só podes furar as orelhas se também furares o nariz - ao que acrescentava - para pores um arganel, como as vacas.
Como lhe disse mais tarde, a sorte dele foi eu ainda ser muito nova.
Mas o problema principal que os meus pais colocavam era precisamente esse: e se me arrependesse...
Se nunca furei o nariz (não seria para arganel, mas na versão indiana - com respeito pelas vacas, portanto) foi, tão simplesmente, por saber o que aconteceu a várias pessoas à minha volta: infecções, alergias, chatices várias que geralmente resultaram em desistências e cicatrizes.
Por outro lado, quem não teve problemas continuou a sua vidinha, mais furo menos furo.
E não, não teve nunca nada a ver com o sítio onde o(s) furo(s) foram feitos.
Na verdade, a situação mais dramática que vi - uma bolha do tamanho de uma bola de ping-pong que terminou com lancetagem no hospital - aconteceu a uma amiga que furou as orelhas na mesma ourivesaria que eu.
Para o segundo e terceiro furo nem pedi nada a ninguém: tapei com o cabelo até cicatrizar.
- As orelhas são tuas, se as quiseres transformar num passador problema teu! - foi o comentário da minha mãe quando o cabelo saiu do sítio.
Ora agora, imagine-se!, se além de pedir aos meus pais ainda tivesse que pedir ao Sócrates?!
Como manobra de diversão (se eles podem, eu também posso), acrescente-se que além dos sítios do corpo e da idade ainda há a problemática da definição, no caso dos "buracos": o meu último furo é um furo, o furo do meu esposo é um piercing.
Feitos no mesmo sítio da orelha e exactamente com o mesmo aspecto, diferenciam-nos apenas o método: o meu foi feito numa lojeca de bijuteria no Fonte Nova, baratinho, foi disparar a pistola e andar; o dele foi todo ciência e cuidados, saiu cheio de recomendações e com a carteira mais leve...
O arrependimento no futuro não será razão para esta lei, ou proibiriam também os furos nas orelhas das criancinhas.
Os locais do corpo, como referi acima, podem trazer problemas onde menos se espera, ou não.
Os locais onde se se fazem os piercings ou as tatuagens podem ser regulados e dar mais trabalho a ASAE que já não vai sabendo onde há-de ir.
Saúde?!
Então preocupem-se com os hospitais, que certamente não são os piercings nem as tatuagens que enchem as urgências.
Já sabíamos que os fumadores são ignorantes, os professores são preguiçosos - só para lembrar os disparates mais recentes -, agora serão os jovens que também não têm a noção dos riscos que correm, coitadinhos...
Ou será que acham que a internet só serve para os meninos estudarem?!
Os pais, já se percebeu, só servem para defenderem os meninos dos professores que não os educam...
Mas seremos todos estúpidos ou apenas governados por gente que nos toma à sua imagem?!
Esperemos que, mesmo coitadinhos e mal-educados, os mais novos consigam por ordem nisto...
A Juventude Socialista apresentou ontem uma série de alterações ao projecto-lei do PS sobre piercings e tatuagens, depois de o próprio subscritor da proposta ter admitido suavizar as proibições nela defendidas. [...]
Diário de Notícias
quarta-feira, março 19, 2008
Conversa de pé de orelha
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3 comentários:
Ola'! Nao pude deixar de soltar umas boas gargalhas ao ler este post. :)
Brilhante, Mir! :)
Adorei as passagens sobre a comparação que o teu pai fez e sobre este des-governo em que somos governados nos últimos tempos (se não fosse tão grave, até daria mesmo vontade de rir!!!).
Curiosamente, o meu primeiro furo nas orelhas também foi feito numa lojeca de bijuteria do Fonte Nova (que, aliás, já nem existe, sendo agora uma loja de comida, perto das bilheteiras :)
P.S- Continuo a achar que eles fariam melhor se tratassem era dos verdadeiros problemas deste país, como a Saúde e outros que tais.
tb eu qd finalmente tive autonomia para decidir (aos 15 ou 16 anos) furar as orelhas fiquei c uma brutal infecção, ao passo que quando fiz um piercing na sobrancelha (numa lojinha de tatoos em Toronto, por sinal)a coisa foi uma maravilha... enfim, suspiremos em conjunto de punho erguido contra a estupidez da regras multiplicadas
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