Rainha Santa Isabel, Zurbaran, no Museu do Prado
- Está muito bem disposta para um sexta-feira treze! - cumprimentou-me o Sr.T. enquanto entrava no seu veículo.
Apesar das reservas enquanto condutora, gosto de taxistas.
Há dias em que prefiro pagar para poder dormir mais um pouco de manhã. Há dias em que dou o dinheiro por bem empregue, quando me fazem esquecer o dia no trabalho no percurso entre os Santos e os Anjos.
Troco a espera preenchida por pensamentos desnecessários por uma boa conversa meteorológica. Troco o percurso repetido dia após dia por uma viagem tantas vezes surpreendente.
Ao volante pode estar sentado um pacato senhor que apenas nos transporta de um ponto para outro da cidade, ou pode estar uma pessoa disposta a partilhar com o banco de trás tudo o que lhe apoquenta a alma. Ou um contador de histórias.
Tanto quanto percebi nos vinte minutos à beira-rio, entre o Parque das Nações e Santos, o Senhor Taxista que me conduziu deve começar a contar histórias no momento em que entra no carro e não sei mesmo se terá algum momento de descanso senão quando dorme (na verdade nem sei mesmo se não falará enquanto dorme...). Desta forma uma pessoa não apanha um táxi, mas um capítulo ou episódio, ou mesmo dois, como me aconteceu, que apanhei a transição na programação, felizmente sem intervalo publicitário.
O programa iniciado com a pasageira anterior, como o próprio Sr.T. me explicou, abordava o tema do jogo e da perda de dinheiro em casinos (que, por mometo me levou a crer que já tinha encontrado o Sr.T. antes, mas não pude confirmar já que esse documentário estava, como já referi, no fim). A mim coube-me disfrutar de uma explicação dos nomes das ruas e expressões populares baseada em factos históricos, alegadamente recolhidos na Torre o Tombo. "Alegadamente" porque o Sr.T. diz que sim, mas eu tenho as minhas dúvidas...
Uma vez que o Sr.T. não teve ainda possibilidade de adquirir um portátil para ir escrevendo no táxi - vinte minutos chegam para explicar muita coisa ao banco de trás - faço-lhe o favor de divulgar os conhecimentos adquiridos, cuja veracidade deixo à consideração dos leitores.
[...] - Conhece a Rua da Penha de França? E sabe porque se chama assim? - acenei primeiro afirmativamente e depois pela negativa.
- Quando D. Afonso Henriques veio ao estalo aos Mouros por aí abaixo [não posso deixar de chamar a atenção para o rigor deste trecho na descrição histórica] acabou por chegar a Lisboa e queria conquistar o castelo. Para o ajudar vieram soldados de todo o mundo. Os franceses acamparam naquela penha com as suas catapultas dirigidas ao castelo. [acrescentou então uma breve explicação sobre o nome dado às catapultas na Torre do Tombo, mas, lamentavelmente a minha fraca memória não permite reproduzir essa parte]
- E sabe de onde vem a expressão "Rés-vez Campo de Ourique"? - mais uma vez acenei negativamente. - Tem a ver com o terramoto, que parou mesmo junto a Campo de Ourique.
- Só não caiu o Carmo e a Trindade! - acrescentei, que também sei algumas coisas...Então o Sr.T., que perdeu muito dinheiro no casino até os filhos lhe oferecerem um computador com 600 jogos de cartas, aumentou a parada:
- E sabe porque houve o Milagre das Rosas? Porque havia fome. E sabe porque havia fome? - estávamos quase a chegar e não havia tempo a perder com os meus acenos de cabeça. - Porque há três anos que não nevava. [ainda assim havia tempo para uma pausa no discurso para aumentar o suspense]
Há três anos que não nevava e a realeza, que gostava muito de fazer ski, não tinha como o fazer e então foi recolhida a farinha do reino. Por isso é que havia fome, porque não havia pão, porque a farinha servia para a realeza fazer ski.
- Não fazia ideia de que já havia ski nessa altura... - constatei só para confirmar se teria ouvido bem.
- Então não havia?! Eu bem digo, quem tenha tempo que vá à Torre do Tombo...
Vale a pena pagar para passar ainda mais bem disposta a sexta-feira treze, imaginando D. Dinis e D. Isabel com a sua corte fazendo ski sobre farinha
sexta-feira, abril 13, 2007
Vinte Minutos de História(s)
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2 comentários:
Delicioso! Espero ter a sorte de ser conduzida pelo teu contador de histórias um dia destes. As coisas que ele descobre na Torre do Tombo..
e eu que detestava taxistas...
tenho a dizer que gosto particularmente deste blog...
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