No dia de eleições as pessoas da terra saíam à rua, naquela que costuma ser uma cidade fantasma.
Subiam o jardim com as suas roupinhas de Domingo, as senhoras muito penteadas, os maridos com o porte altivo de quem sente que é importante.
Depois subia-se a escadaria. Fosse onde fosse havia sempre uma escadaria a subir, e onde nós íamos era bem grande e nesse dia ainda parecia maior.
Dizia-se boa-tarde às pessoas, respeitosamente, quase sem trocar palavra para não haver mal entendidos.
Eu ficava à porta à espera, que era um momento sério, não era sítio para brincadeiras e, dizia-me a minha mãe quando eu insistia em ir com eles: o voto é secreto.
Podia achar estranho o secretismo de quem durante as semanas anteriores apelava ao voto nO Partido* sem qualquer pudor, mas não. O dia anterior marcava a barreira entre o que é de todos e o que é de cada um.
Cumprido o dever dos cidadãos meus pais, desciamos as escadas dizendo boa-tarde às pessoas.
Nós não passeávamos no dia de eleições, já que o meu pai era um cartaz com pernas. Íamos para casa esperar pelo fecho das urnas e então para o Centro de Trabalho, saber os números em primeira mão.
O meu pai esperava pelo resultado de tão árdua campanha, a minha mãe esperava pelo resultado que o povo tinha feito por merecer e eu esperava pelo dia em pudesse votar.
Ir votar à terra tem o seu encanto, relembra-me a Menir .
Ou pode ter, ou teria, ou tem para outros.
Tem encanto para quem vota na cidade, lembro-me bem, quando ia com os meus pais.
Eu recenseei-me atrás do sol posto, que é o preço de morar no "bairro chique" (paradoxal?, só para quem não conhece: nem o bairro é chique nem se percebe porque não é cidade).
Voto no campo, numa terriola perdida na serra que só se sabe que existe desde que passou a ter piscina.
Voto numa mesa onde a minha mãe já teve de pedir para não haver garrafões de vinho por perto.
E desde que me convenci de que voto numa terra que não tem emenda que penso mudar o voto para a capital. O voto útil na versão geográfica, a única que me faz sentido.
Mas ainda não o fiz... e lá vou votar a nenhures.
A ver se mudo o recenseamento para Lisboa antes que o presente executivo caia. Já faltou mais...
*este Partido sempre se fez valer da entoação de letra maiúscula, leia-se "O" Partido, carregando no "O", sff.
P.S. - Entretanto, um dia mais tarde, já somos quatro a ir votar ao fim do mundo!
Uma com quem me recenseei (ainda estamos para descobrir quem é o número entre os nossos dois!) e a as duas vizinhas que se recensearam mais tarde...
Iremos todas juntas, para parecermos muitas!
quinta-feira, fevereiro 08, 2007
Votar na província
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5 comentários:
Os dias de eleições lembram-me sempre os dias passados de cá para lá com pai e/ou mãe em mesas de voto. Lembro-me de gostar do momento da abertura das urnas, lembro-me de a minha mãe me levar com ela e me deixar ver em quem votava (acho que reconheciamos O símbolo ainda antes de saber ler, não te parece?), lembro-me do friozinho no estômago quando começavam a dar as primeiras sondagens.
A noite de eleições era sempre uma noite de nervos, de debate, de conversa e de poder ir para a cama tarde.
Votar na escola onde andei não tem metade da piada de subir a escadaria de quando não votava, principalmente porque o Presidente da minha mesa de voto já não vai lá estar (e da última vez foi muito estranho sentir-lhe a ausência). A ver se dizes qualquer coisa quando venhas "votar à província"!
Não só tenho a certeza que conhecemos O símbolo antes de qualquer letra como a impressão de que o principal motivo para sofrermos com os pais se relacionava precisamente com a hora do recolher!...
Ah! E que belas campanhas fizemos ainda antes de sabermos o que faziamos...(vá lá que não nos deu para mudar de ideias, ou seria difícil esconder o cadastro)
Até já!
Miúda, só tu para me pores a chorar de riso...:
"(...) numa terriola perdida na serra que só se sabe que existe desde que passou a ter piscina."
O cadastro? E as provas??? Eu ainda tenho umas bandeiras detrás da porta da despensa que o meu pai se esqueceu de entegar LOL Bons tempos esses. Acho que se chama ... inconsciência, é isso!
Eu voto sempre na minha escola secundária. Entre as boas recordações e a triste constatação de que se mantém igual há 19 anos...Hoje reencontrei o "meu" xilofone..
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