Era uma vez uma ilha que, por acaso, tinha terra à volta.
Era uma ilha onde havia apenas uma cidade cercada de ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros.
Era uma cidade era tão pequena, tão pequena, tão pequena que se não fosse ter obras do Polis e um Rei que ainda hoje se passeia de rua em rua e dir-se-ia que era uma aldeia.
Todos os anos, de há vinte anos para cá, quando o vento começa a ficar mais frio, às pessoas isoladas na ilha juntam-se outras que só lá vão uma vez por ano e saem todos de casa de madrugada para ir para o meio das oliveiras e dos sobreiros encherem-se de lama e ver uns quantos saltar penhascos.
Todos os anos, de há vinte anos para cá, quando o vento começa a ficar mais frio, as pessoas dessa ilha isolada saem à noite e tentam fazer uma festa.
Este ano estive lá, por causa de outra festa, e fui tentar dançar com as minhas memórias.
Lembrava-me que há muito, muito tempo, quando também eu ainda vivia na ilha, a festa ficava tão cheia que ninguém conseguia dançar. Este ano também não consegui.
Talvez porque não estivesse suficientemente frio para acordar os espiritos ainda atordoados das calmarias do verão, talvez porque o vento suão tenha enchido os sonos de pavores, certo é que nos habitantes da ilha apenas dançavam os olhos.
Girando os olhos à minha volta, a única coisa que me sentia à vontade para girar se não quisesse ver todos os outros olhos girar na minha direcção, vi apenas olhos perdidos sobre narizes no ar e lábios apontados para o chão.
Qual “jangada de pedra”, a ilha parece estar cada dia mais afastada do resto do mundo. Não encontrei as minhas memórias - também elas fugiram da ilha - e vi-me obrigada a admitir que cada ano que passa a ilha se afasta mais de mim.
Tinha tudo para ser uma cidade cercada de ventos, penhascos oliveiras e sobreiros onde se podia morar numa casa tosca e bela e ver as acácias crescer e as serras deitadas nas nuvens, vagas e azuis da distância; mas apenas se sofre coisas que terei pudor de contar seja a quem for.
E porque vim de lá tenho pena. Cada vez serão menos os que lá vão.
Menos lá ficarão.
E não sei se haverá saída...
Há 65 anos atrás, já Régio falava em tal vida
- Não vivida!, sim morrida
No tédio e no desespero,
No espanto e na solidão...
Coitados dos que lá estão.
Coitados dos que estarão.
segunda-feira, outubro 16, 2006
Os Coitados
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3 comentários:
Um texto muito bonito...
... e revejo-me nele...
Boa semana
Beijinho
Lembro-me bem dessa terra, onde o pensamento saía, batia na serra e voltava para trás... E mal sabiamos nós que aquela era a fase boa.
que saboroso! :)
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